domingo, 19 de fevereiro de 2017

O CAMINHO DA ESPERANÇA

O CAMINHO DA ESPERANÇA (1950)

O cinema interessou-se desde muito cedo pela sorte dos emigrantes de todo o mundo. Desde “O Emigrante”, de Chaplin, até “América, América”, de Kazan, passando por tantos e tantos outros títulos: “Os Emigrantes”, de Jan Troel, “El Norte”, de Gregory Nava, “A Fronteira da Vergonha”, de Tony Richadson, “Casamento por Conveniência”, de Peter Weir, “Dance in the Dark”, de Lars Von Trier, “A Emigrante”, de James Gray, “In America”, de Jim Sheridan, “O Salto”, de Christian de Chalonge, “Uma Rapsódia Americana”, de Eva Gardos, “A Beter Life”, de Chris Weitz, “Biutiful”, de Alexandro Inarritu, entre tantos outros mais. Esta é uma lista convocada de memória, com imensas injustiças pelo meio. É referida apenas como exemplo da forma como a emigração é vista, sob diversos pontos de vista, por cineastas de todas as origens e credos. É um tema grave, que a actualidade tornou ainda mais trágico, mas emotivo, mais controverso, mais polémico.
“O Caminho da Esperança”, que Pietro Germi realizou em 1950, é seguramente um dos melhores filmes de sempre a abordar este tema. O argumento, escrito pelo próprio Pietro Germi, de colaboração com Federico Fellini e Tullio Pinelli, segundo romance de Nino Di Maria ("Cuori negli abissi"), inicia a sua narrativa na Sicília, numa mina, em situação de crise e greve. Os mineiros conseguem salvar-se de uma situação extremamente perigosa, encerrados nas entranhas da terra, mas terminam no desemprego, com o horizonte de vida mais negro que nunca. É neste clima que aparece o angariador de viagens, que lhes promete um “caminho de esperança” para França. “Não podem imaginar como se vive ali, é outra vida, civilizada”, diz Ciccio Ingaggiatore (Saro Urzì), um traficante sem escrúpulos que procura seduzir uma assembleia de desesperados que têm à frente Saro (Raf Vallone). Todos pagam quanto lhes é exigido, todos se reúnem na manhã seguinte para entrarem numa desconjuntada camioneta que os irá transportar como gado ao longo das estradas italianas até Roma. Ciccio Ingaggiatore não enganava ninguém que não quisesse ser enganado. Depois de receber os seus 20.000 liras por cada cabeça, estipulou a lei: “A partir da saída da Sicilina, quem manda sou eu. Vocês não perguntam nada, não discutem nada, porque não conhecem nem o caminho, nem as pessoas, nem o processo”. São homens, mulheres, crianças, admiráveis rostos de populares que a câmara de Germi e o talento do director de fotografia Leonida Barboni moldam de forma dramática, sem, no entanto, as manipularem gratuitamente, sem qualquer intenção menos nobre: Carmelo (Saro Arcidiacono),  um velho com o seu cão de estimação (uma recordação de “Umberto D”);  Rosa e Luca (Liliana Lattanzi e Giuseppe Priolo), um casal de jovens que se casara horas antes da partida; Mommio (Renato Terra) e a sua guitarra que recorda ao longo da viagem as canções da Sicília natal; Lorenza e Antonio (Mirella Ciotti e Angelo Grasso),um outro casal; Barbara (Elena Varzi), uma rapariga que a família renegara pela sua paixão por um truculento e violento Vanni (Franco Navarra); um viúvo, Saro, acompanhado pelos seus três filho… e está aberto o “caminho para a esperança”, caminho cheio de asperezas e perigos, de sofrimento e traição, mas que desperta em cada rosto a esperança de um melhor futuro.


Em Roma, primeira paragem, a desilusão primeira: Ciccio Ingaggiatore troca as voltas aos emigrantes e deixa-os entregues á sua sorte. Uns perdem-se nas ruas da capital, outros são presos, condenados a regressar à Sicília. Mas voltam a reunir-se e a revoltarem-se, conseguem fugir e apanhar a boleia de outro vigarista que lhes arrebanha as últimas economias, para os conduzir até à fronteira francesa. A odisseia continua, porém. Voltam a ser abandonados antes do destino, buscam trabalho e são aceites numa herdade que procura trabalhadores rurais, mas o que os emigrantes desconhecem é que estão a furar uma greve e os problemas agudizam-se novamente. Lançam-se então desesperadamente pelas gélidas montanhas que os separam do prometido destino, alguns perdendo a vida, enquanto uma pequena minoria consegue alcançar a fronteira, onde uma patrulha de guarda francesa fecha os olhos à irregularidade e encolhe os braços que permitem prosseguir o sonho daquele grupo de sicilianos em busca de um “caminho de esperança”.
A actualidade desta obra é de tal forma gritante e pungente que por vezes nos julgamos a olhar notícias de 2016. O que deixa pressupor que a História, com novas roupagens, agora a cores e com outros apetrechos tecnológicos, se repete.
Reafirmemos uma outra conclusão: Pietro Germi é definitivamente um dos maiores realizadores do cinema italiano, um dos grandes nomes de neorrealismo, um cineasta de uma exemplar coerência. Rever em dias sucessivos algumas das suas obras permite-nos julgar com imparcialidade e justiça o seu contributo. O empenhamento social é obsessivo, o humanismo transbordante, o estilo é marcantemente pessoal, a qualidade das imagens tem uma força e um vigor que as tornam absolutamente pessoais, por muito que se possa notar a influência óbvia dos grandes cineastas soviéticos (mais Djovenko nos rostos humanos que Eisenstein, mas também este sobretudo na escolha dos enquadramentos, na composição dos planos). Mas nota-se também a presença de outros grandes realistas, como Flaherty, no lado mais documental, ou americanos como John Ford (As Vinhas da Ira ou O Vale era Verde, para só citar dois títulos que marcam alguma proximidade com “O Caminho da Esperança”). Mas Pietro Germi aprendeu seguramente com os clássicos, mas vinca um percurso pessoal, entroncado no ramo comum do neorrealismo, afirmando-se contudo como uma voz particular. Alias, associando-se assim aos maiores do cinema itaiano dessa altura, de Felllini a Rossellini, de Visconti a De Sica, de Dino Risi a Antonioni.


O CAMINHO DA ESPERANÇA
Título original: Il Cammino della Speranza
Realização: Pietro Germi (Itália, 1950); Argumento: Federico Fellini, Pietro Germi, Tullio Pinelli, segundo romance de Nino Di Maria ("Cuori negli abissi"); Produção: Luigi Rovere; Música: Carlo Rustichelli; Fotografia (p/b): Leonida Barboni; Montagem: Rolando Benedetti; Design de produção: Luigi Ricci; Direcção artística: Luigi Ricci; Guarda-roupa: Annunziata Piacentini;  Maquilhagem: Attilio Camarda; Direcção de Produção: Sergio Barbonese, Antonio Musu, Enzo Provenzale; Assistentes de realização: Marcello Giannini, Salvatore Rosso,  Argi Rovelli;  Som: Mario Amari; Companhia de produção: Lux Film; Intérpretes: Raf Vallone (Saro Cammarata), Elena Varzi (Barbara Spadaro), Saro Urzì (Ciccio Ingaggiatore), Franco Navarra (Vanni), Liliana Lattanzi (Rosa), Mirella Ciotti (Lorenza),Saro Arcidiacono, Francesco Tomalillo, Paolo Reale, Giuseppe Priolo, Renato Terra, Carmela Trovato, Angelo Grasso, Assunta Radico, Francesca Russella, Giuseppe Cibardo, Nicoló Gibilaro, Chicco Coluzzi, Luciana Coluzzi, Angelina Scaldaferri, Ciccio Jacono, Michele Raffa, etc. Duração: 105 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): inexistente; Distribuição em Itália (DVD): CristaldFilm; Italinao, com legendas em italiano; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 28 de Abril de 1953.


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